
Epígrafe: "O instinto nos força a treinar para a guerra, mas a evolução nos obriga a torcer pela paz."
Do Roteiro ao Sangue Real (O Luto pela Fantasia)
Para quem viveu a era do entretenimento com luvas de cetim, a transição do carisma fantasioso (lembrando-se com carinho das lutas coreografadas do WWE ou de sua versão nacional, Os Gigantes do Ringue) para a violência crua do MMA foi um choque. Lutas como as de Maguila, ainda que reais, pareciam ter um roteiro, um drama. Mas quando o espetáculo se concentra na técnica de infligir o máximo de sofrimento permitido, algo em nós se desliga.
A aversão à dor alheia — seja o sofrimento de um animal na rua, seja o de um besouro virado de costas — é uma bússola moral que, para muitos, se sobrepõe à atração pela competição.
Mas, para entender o apelo contemporâneo, precisamos olhar para os bastidores do poder.
O Circo Moderno e a Crítica do Gênero
A tática do "Pão e Circo", popularizada na Roma Antiga pelo poeta Juvenal, não era um luxo, mas uma estratégia política. Distribuía-se o sustento e espetáculos grandiosos (como as lutas no Coliseu) para manter a plebe ocupada e distraída, evitando a revolta contra a má administração. O princípio é eterno.
A crítica, no entanto, precisa ir além da política e olhar para o seu motor: o contínuo pé de guerra da humanidade parece ser uma consequência da dominância do cromossomo XY nas grandes mesas de decisão. Essa inclinação histórica ao conflito, ao domínio físico e à competição agressiva, perpetua o Circo em todas as eras. Muitos depositam a esperança na evolução da consciência, imaginando um futuro onde talvez a liderança feminina, com sua possível prioridade à cooperação e à empatia, possa finalmente superar o Coliseu.
A Guerra Interna: Força Versus Consciência
O indivíduo moderno, muitas vezes, é uma contradição ambulante. Por um lado, sente uma profunda aversão à violência como entretenimento; por outro, sente o ego inflamar com a validação da força bruta.
É o conflito entre o instinto e a moral. O orgulho sutil de ser chamado para "carregar o peso" no trabalho — o reconhecimento de uma utilidade física ancestral — é a nossa herança genética. Mas essa herança é constantemente confrontada pela consciência que não suporta a dor alheia. É a luta entre o instinto do Guerreiro e a ética do Preocupado.
O Gene que Não Decidiu (Uma Curiosidade Pessoal)
Tentando encontrar alguma pista para essa complexidade interna, o gene COMT — o chamado "gene guerreiro" — acaba sendo consultado. Muitos buscam a ciência para justificar sua natureza: alguns se descobrirão Warriors natos (prosperam sob estresse); outros, Worriers (precisam de calma para focar).
No meu caso, porém, o teste genético revelou um perfil comportamental intermediário. O resultado me colocou exatamente no meio-termo, apto a suportar a tensão, mas também inclinado à calma e ao foco. O DNA, com sua ironia quase de horóscopo, apenas confirmou a contradição: eu sou, geneticamente, a indecisão encarnada.
A Síntese Final e o Treinamento para o Apocalipse
A contradição é, portanto, a minha condição: eu treino minha força para o pior cenário.
Essa atitude final é a síntese mais honesta do meu tempo. O meu não gostar de MMA, ou qualquer forma de violência gratuita, não é fraqueza ou falta de politização, mas sim a prova de que o meu brio está focado não em infligir dor, mas em manter a esperança na evolução, enquanto a força que construímos serve, primariamente, para carregar o próximo fardo — e não para quebrar o próximo osso.





